quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Do sono ímpar

A secura de meus olhos se faz no vício de te vigiar dormindo.
Minhas pálpebras abertas vigilantes sobre teu sono que guarda o olhar que eu mais gosto de ver.

Em repouso, nos admiro.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Das experimentações de processo I

Havia angústia, dor, medo, escuridão e um pedaço de bolo recém-cortado. Havia um monte de coisas dentro de tudo. Na angústia tinha o vazio, o amargo e uma falta não sei do quê. Na dor sobravam motivos, palavras e ausência. Carregava o medo seus defeitos, insegurança, ansiedade e uma esperança boba. Só a escuridão não carregava nada além dela mesma, porque o pedaço de bolo recém-cortado carregava, além do granulado e da cereja partida ao meio, vontade, desejo, saudade, talvez um pouco de amor e muita fé.
Descia a rua pela calçada do lado direito para que as luzes dos faróis que vinham de frente rebatessem fazendo a sombra aparecer por trás e, por um segundo, assim que o carro passasse ao lado, surgisse na parede. É um jeito de não caminhar só. Vitrines davam uma companhia mais verdadeira, hora várias, hora nuas, hora a mesma. Do lado direito pensava com o bolo conseguir reatar sorrisos e regar um abraço. Mas num dado momento a rua virou-se de costas ou resolver entrar num espelho, e os carros passaram a surgir por trás. Naturalmente que para caminhar lado a lado é necessário atravessar para a outra calçada e passar a pensar com o lado esquerdo, lado esse que mais sente que pensa. Lado que guarda as coisas que carregam outras. Lado que mora o senhor dono de todas as coisas cheias de outras coisas e o merecedor do primeiro pedaço de bolo cuidadosamente cortado de modo que a cereja partida ao meio desse valor ao singelo presente.
Do lado esquerdo reinava a solidão, mas, sobretudo a falta e a desesperada necessidade de voltar derrubando pelas calçadas toda angústia, dor, medo, largando junto com a escuridão todas as coisas que sobrecarregam um viver.
Por isso caminha cautelosamente, sem virar a cabeça para olhar nos olhos de sua companheira sombra que sumiu desde que passou o último carro. Caminha com cuidado para não derrubar o pedaço de bolo recém-cortado. Bolo que carrega um tanto de granulado, uma cereja partida ao meio, um pouco de saudade, muita fé e um tímido e doce amor.